Vítimas: jovens, sonhadores e apaixonados
Liana Friedenbach, 16 anos, era estudante de um renomado colégio particular de São Paulo. Filha de um engenheiro e de uma professora universitária, vivia em uma família de classe média-alta, conhecida pelo incentivo à educação e à liberdade responsável. Inteligente, sensível e ativa, era uma jovem idealista, muito próxima de seus pais.
Seu namorado, Felipe Caffé, 19 anos, também era estudante. Filho de uma família de classe média, frequentava ambientes similares aos de Liana. O relacionamento, ainda que jovem, era sério. Os pais da garota, no entanto, consideravam o casal novo demais para viagens sozinhos.
A mentira e o acampamento improvisado
No final de outubro de 2003, Liana disse aos pais que participaria de um trabalho escolar de fim de semana. Na realidade, ela e Felipe haviam planejado acampar juntos em uma área de mata próxima à cidade de Embu-Guaçu, na zona sul da capital paulista.
Levaram equipamentos básicos de acampamento e armaram barraca em um terreno ermo, sem infraestrutura ou segurança. A inocência da aventura foi interrompida poucas horas depois por um grupo que mudaria o destino dos dois para sempre.
O sequestro
Na noite de 31 de outubro, Liana e Felipe foram surpreendidos por cinco criminosos. Entre eles estava Roberto Aparecido Alves Cardoso, o conhecido Champinha, à época com apenas 16 anos. Os demais eram adultos: Antônio Caetano da Silva, Paulo César da Silva Marques (conhecido como "Pernambuco"), Agnaldo Pires e Carlos Eduardo da Silva ("Cabeça").
Armados com facões e revólveres, os criminosos renderam o casal. Amarrados e sob ameaças, os jovens foram levados para uma antiga casa abandonada dentro da mata.
A execução de Felipe
No dia seguinte, 1º de novembro, os criminosos decidiram matar Felipe. Segundo depoimentos, temiam que ele denunciasse o grupo caso fosse libertado. Ele foi brutalmente assassinado com golpes de facão no pescoço e o corpo foi deixado no matagal.
Sua morte, no entanto, não selou o fim da violência. Ela estava apenas começando para Liana.
O cativeiro e os dias de horror
Liana foi mantida viva por mais três dias, sob constante violência física, psicológica e sexual. Durante esse período, foi estuprada diversas vezes por Champinha e Antônio Caetano, e possivelmente abusada por outros envolvidos.
Champinha dizia que ela era sua "esposa" e demonstrava um comportamento confuso, oscilando entre agressividade e posse doentia. Enquanto isso, a jovem implorava por sua vida, segundo relataram os criminosos após a prisão.
O assassinato de Liana Friedenbach
Na manhã do dia 4 de novembro de 2003, Champinha conduziu Liana para o matagal. Armado com um facão, a degolou brutalmente. O corpo foi abandonado a poucos metros de onde Felipe havia sido morto.
A frieza do ato foi chocante. Segundo laudos da perícia, a jovem lutou pela vida até o último momento.
A investigação e a descoberta
Quando Liana não retornou para casa no domingo, o pai, Ari Friedenbach, iniciou uma busca desesperada. Após perceber inconsistências nas histórias, procurou a polícia e contratou detetives.
A investigação ganhou força rapidamente e, com o depoimento de moradores da região, a polícia chegou a um dos envolvidos. Logo todos foram presos, incluindo Champinha, que inicialmente tentou negar tudo, mas acabou confessando os crimes com riqueza de detalhes.
O perfil de Champinha: um adolescente com alma de monstro
Champinha nasceu em 1987 e cresceu em condições de abandono. Nunca estudou, vivia nas ruas e praticava pequenos furtos. Exames posteriores revelaram um quadro psiquiátrico grave, com traços de psicopatia e transtorno de personalidade antissocial.
Apesar de sua idade, os peritos alertaram que ele não demonstrava empatia, remorso ou capacidade de reabilitação.
Justiça: condenações e medidas excepcionais
Os adultos:
Todos os cúmplices maiores de idade foram julgados e condenados a penas superiores a 30 anos de prisão, pelos crimes de:
Sequestro
Estupro
Homicídio qualificado
Ocultação de cadáver
As decisões judiciais relacionadas aos criminosos começaram a ser proferidas em 2006. Naquele ano, três dos acusados foram levados a julgamento pelo Tribunal do Júri e receberam sentenças distintas, de acordo com sua participação nos crimes.
Antônio Matias recebeu uma pena relativamente mais branda: 6 anos de reclusão, além de 1 ano, 9 meses e 15 dias de detenção. Ele foi responsabilizado por crimes conexos ao assassinato, como cárcere privado, favorecimento pessoal e ocultação da arma utilizada no homicídio. Apesar de não ter participado diretamente das mortes ou dos estupros, contribuiu para a manutenção do sequestro e para dificultar a investigação.
Já Agnaldo Pires foi condenado a 47 anos e 3 meses de prisão, após ser reconhecido como um dos autores do estupro de Liana Friedenbach. A gravidade da violência sexual praticada contra a adolescente foi um dos principais fatores que influenciaram o peso da pena.
Antônio Caetano da Silva, por sua vez, teve uma das sentenças mais severas: 124 anos de reclusão. O julgamento concluiu que ele participou de forma ativa e reiterada dos abusos sexuais cometidos contra Liana durante os dias em que ela foi mantida em cativeiro.
Em novembro de 2007, Paulo César da Silva Marques, conhecido como “Pernambuco”, também enfrentou o Tribunal do Júri. Ele foi sentenciado a 110 anos e 18 dias de prisão, sendo responsabilizado por homicídio qualificado, estupro e cárcere privado. Sua atuação direta tanto na morte quanto na violência sexual reforçou a dureza da punição.
Champinha:
Por ser menor, Champinha foi enviado inicialmente para a Fundação CASA. Em 2007, laudos apontaram sua extrema periculosidade, levando a Justiça a autorizar sua internação involuntária em unidade psiquiátrica de segurança máxima, onde permanece até hoje.
A dor de um pai e a luta por mudanças
Ari Friedenbach, pai de Liana, tornou-se um símbolo de luta por justiça. Participou de debates sobre a redução da maioridade penal, reformas no Estatuto da Criança e do Adolescente e acompanhamento de menores infratores com distúrbios mentais.
“Minha filha morreu nas mãos de um monstro que a sociedade não soube conter. A luta é para que nenhuma outra família passe por isso”, declarou em entrevista anos depois.
Repercussão nacional
O crime teve forte impacto na mídia brasileira e foi tema de discussões políticas e sociais por anos. O nome “Champinha” passou a ser usado como exemplo emblemático dos limites do sistema penal juvenil no Brasil.
Reportagens, documentários e programas de TV exploraram o caso, muitos deles criticando a falta de preparo do Estado para lidar com menores infratores perigosos.
Mais de 20 anos depois, o caso Liana Friedenbach e Felipe Caffé ainda é lembrado com pesar e revolta. Uma tragédia que escancarou o abismo entre a lei e a realidade nas periferias do Brasil. O que começou como um fim de semana romântico se transformou em uma das páginas mais sombrias da crônica policial do país.
Data | Evento | Local |
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30/10/2003 | Liana mente aos pais dizendo que irá ao sítio com amigos | São Paulo – SP |
31/10/2003 | Casal acampa em mata isolada | Embu-Guaçu – SP |
31/10/2003 (noite) | São sequestrados por cinco criminosos | Zona rural de Embu-Guaçu |
01/11/2003 | Felipe é morto com facão no pescoço | Mata de Embu-Guaçu |
02–03/11/2003 | Liana sofre estupros e é mantida refém | Casa abandonada na mata |
04/11/2003 | Liana é degolada por Champinha | Matagal próximo ao corpo de Felipe |
05–06/11/2003 | Família inicia buscas; mídia é acionada | São Paulo / Embu-Guaçu |
07–09/11/2003 | Prisões dos criminosos e confissão | Embu-Guaçu |
11/11/2003 | Corpos de Liana e Felipe são encontrados | Mata de Embu-Guaçu |
2004–2006 | Condenação dos adultos envolvidos | Tribunal de Justiça – SP |
2007 | Champinha é internado após laudo psiquiátrico | Unidade de segurança – SP |
2008–2024 | Champinha continua internado; pai de Liana atua como ativista | São Paulo – sistema judicial |
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