O Mistério de Evandro: O Caso Que Assombrou o Brasil e Ainda Hoje Intriga a Justiça
Era só para ser uma ida rápida até a escola. No fim da tarde de 6 de abril de 1992, o pequeno Evandro Ramos Caetano, de apenas 6 anos, saiu de casa em Guaratuba, Paraná — e nunca mais voltou. Dias depois, seu corpo foi encontrado brutalmente mutilado. O que veio a seguir não foi apenas um crime, mas um dos episódios mais controversos da Justiça brasileira, marcado por suspeitas de tortura, rituais, manipulação e silêncio. Três décadas depois, ainda não há uma resposta clara: quem matou Evandro?
Quem era Evandro Ramos Caetano?
Evandro Ramos Caetano era um menino de apenas 6 anos, nascido e criado em Guaratuba, uma cidade litorânea do Paraná. Filho de dona Ana Ramos Caetano e Osmar Caetano, Evandro era descrito como alegre, brincalhão e muito próximo da família. A rotina da criança era típica de um menino de cidade pequena: escola pela manhã, brincadeiras com os irmãos e amigos durante a tarde. Nada em sua vida previa o que estava por vir.
O Desaparecimento – 6 de abril de 1992
Em uma segunda-feira, 6 de abril de 1992, após sua mãe permitir, pela primeira vez, que ele fosse sozinho para casa do colégio onde estudava e ela trabalhava, para pegar um brinquedo e um lanche. A escola ficava a apenas 150 metros da residência.
Era um trajeto de poucos quarteirões, pela Rua José Nicolau Abagge — um caminho conhecido, feito diversas vezes por Evandro e outros irmãos. A família não imaginava que aquela seria a última vez que veriam o menino com vida.
Conforme o entardecer avançava e Evandro não retornava, a mãe começou a se preocupar. A princípio, imaginou que ele pudesse ter parado para brincar com amigos, como era comum. Mas, ao perceber que o tempo passava e o menino continuava sumido, o alerta tomou conta.
Por volta das 19h, os pais já haviam feito buscas por conta própria nas redondezas, perguntado aos vizinhos, amigos e frequentado os locais habituais. Sem sucesso, decidiram registrar o desaparecimento na Delegacia de Guaratuba.
Ainda naquela noite, a notícia se espalhou rapidamente pela cidade. Guaratuba era (e ainda é) uma cidade de pequeno porte, onde todos se conheciam. A solidariedade entre os moradores mobilizou uma força-tarefa informal: amigos, vizinhos, policiais civis e militares, e até turistas que passavam a temporada na praia se ofereceram para ajudar nas buscas.
Cartazes com a foto de Evandro foram impressos às pressas e distribuídos por praças, escolas, igrejas e comércios locais. Carros de som circularam pelas ruas, descrevendo as características do menino: moreno, cabelos castanhos lisos, olhos escuros, pequeno e magro, vestindo calça de moletom cinza e camiseta branca no momento em que desapareceu.
A última pessoa a ter visto Evandro com vida foi uma vizinha da família, que afirmou tê-lo visto caminhando sozinho em direção à escola, em horário compatível com o que a mãe relatou. No entanto, ninguém confirmou tê-lo visto entrar ou sair da escola naquele dia.
Nos primeiros dois dias, a hipótese mais discutida era a de sequestro: talvez o menino tivesse sido levado por alguém da cidade, ou mesmo por um forasteiro, com promessas ou ameaças. A comunidade se agarrava à esperança de que ele pudesse estar escondido em algum lugar, vivo.
Porém, conforme os dias passavam sem pistas concretas, o clima de tensão e medo aumentava. A cidade começava a se perguntar se aquele desaparecimento poderia ter raízes mais sombrias. E essa dúvida ganharia força quando, dias depois, o corpo de uma criança brutalmente assassinada aparecesse numa região de mata fechada, perto da estrada — e o luto tomasse conta de Guaratuba.
A descoberta do corpo e o início das suspeitas
Após cinco dias de buscas intensas pelo menino Evandro, a tragédia se confirmou na manhã de 11 de abril de 1992. Trabalhadores da região encontraram o corpo de uma criança em uma área de mata nos arredores de Guaratuba. O cadáver estava em estado de mutilação severa, com marcas chocantes: ausência de couro cabeludo, órgãos internos expostos, e membros cortados.
O corpo foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML) em Paranaguá. Embora o estado fosse avançado de decomposição, o pai de Evandro reconheceu o filho por uma marca de nascença nas costas e por alguns objetos próximos, como uma cueca e as chaves da casa. A identificação nunca foi oficialmente confirmada por DNA na época, o que alimentaria futuras dúvidas.
A virada nas investigações: acusações e teorias
Nos primeiros dias, a investigação não avançava. Foi então que Diógenes Caetano dos Santos Filho, primo da família e ex-policial, entregou um relatório informal com uma teoria perturbadora: segundo ele, Evandro teria sido vítima de um ritual com motivação espiritual e política, supostamente organizado por Celina Abagge, esposa do então prefeito da cidade, e sua filha, Beatriz Abagge.
Essa acusação virou o rumo da investigação. Como a Polícia Civil parecia não conseguir resultados concretos, o Ministério Público autorizou a entrada do Grupo Águia, um grupo de inteligência da Polícia Militar liderado pelo capitão Valdir Copetti Neves. Esse grupo rapidamente apontou sete suspeitos — número que, curiosamente, tinha um forte simbolismo para o capitão Valdir Copetti Neves.
Confissões sob pressão e denúncias de tortura
Entre os detidos estavam religiosos, artesãos e moradores locais, além das duas mulheres da família Abagge. Todos eles acabaram confessando participação no crime. No entanto, anos mais tarde, vieram à tona gravações dos interrogatórios que levantaram sérias suspeitas: os depoimentos teriam sido obtidos sob tortura física e psicológica, com os acusados sendo ameaçados, agredidos e impedidos de falar com advogados.
Essas revelações, amplamente discutidas no podcast Projeto Humanos – O Caso Evandro, do jornalista e pesquisador Ivan Mizanzuk, lançaram dúvidas profundas sobre a legitimidade de todo o processo judicial.
Os julgamentos: décadas de incertezas e um tribunal sob pressão
Após as confissões — que, mais tarde, seriam alvo de denúncias de tortura — o caso seguiu para a Justiça com grande repercussão nacional. O processo, repleto de contradições e disputas técnicas, se arrastou por anos.
A primeira a ser julgada foi Beatriz Abagge, filha da então primeira-dama de Guaratuba. Em 1998, ela enfrentou o júri popular e foi condenada a 21 anos de prisão, acusada de liderar o suposto ritual em que Evandro teria sido sacrificado. Sua mãe, Celina Abagge, também chegou a ser indiciada, mas foi considerada inimputável — ou seja, sem condições mentais de responder pelo crime na Justiça.
Outros acusados, como Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Francisco Sérgio Cristofolini, também foram julgados, alguns condenados, outros liberados por questões processuais. As sentenças, no entanto, sempre foram contestadas pelas defesas, que apontavam a total falta de provas materiais e a dependência exclusiva das confissões — todas obtidas sob suspeita de coação.
O impacto do podcast e as revelações que mudaram tudo
Anos se passaram até que, em 2020, o caso voltou ao debate público com força total graças ao podcast Projeto Humanos – O Caso Evandro, idealizado por Ivan Mizanzuk. A série trouxe à tona gravações inéditas, documentos antigos e inconsistências ignoradas nos julgamentos.
Entre os conteúdos mais graves estavam:
Áudios de confissões manipuladas, com policiais sugerindo respostas aos acusados.
Relatos detalhados de tortura física e psicológica, inclusive com choques elétricos, espancamentos e ameaças contra familiares.
Questionamentos sobre a própria identificação do corpo como sendo de Evandro.
Ausência de qualquer prova física ligando os acusados ao local do crime.
O podcast repercutiu em todo o país e pressionou o sistema judiciário a revisar o caso.
Reviravolta judicial: absolvições e impunidade
Com as revelações expostas publicamente, as defesas solicitaram a reabertura dos processos. Em 2023, mais de 30 anos depois do crime, o Tribunal de Justiça do Paraná anulou as condenações de Beatriz Abagge e outros acusados, declarando que não havia provas concretas suficientes para sustentar os vereditos.
A decisão dividiu opiniões. Para muitos, foi um acerto tardio da Justiça, que reconheceu os abusos cometidos durante a investigação. Para outros, foi a certidão de impunidade em um dos casos mais brutais da história brasileira.
O que ainda não sabemos: o silêncio que permanece
Mesmo com tantos anos de investigação, julgamentos, reviravoltas e exposição pública, o assassinato de Evandro Ramos Caetano continua sem uma resposta definitiva. Muitos dos aspectos mais essenciais do caso ainda estão sem explicação clara, o que mantém o episódio cercado de dúvidas e dor.
1. Quem realmente matou Evandro?
Apesar das confissões, a anulação das condenações e a falta de provas físicas deixam uma pergunta central sem resposta: quem cometeu o crime?
As evidências materiais não foram suficientes para vincular os acusados diretamente ao corpo, à cena do crime ou a qualquer ação violenta. Com a absolvição dos principais réus, o crime permanece oficialmente sem culpados.
2. O corpo era mesmo de Evandro?
A identificação do corpo foi feita, inicialmente, com base em indícios visuais e objetos pessoais, como uma cueca e um molho de chaves.
Anos depois, tentativas de exames de DNA foram inconclusivas ou mal conduzidas. Isso gerou uma dúvida profunda: e se o corpo enterrado como Evandro não for dele? A hipótese é tratada com cautela, mas nunca foi totalmente descartada.
3. Onde e como ele foi morto?
O local onde o corpo foi encontrado é de difícil acesso e não apresentava sinais claros de que o assassinato teria ocorrido ali. Isso levanta suspeitas de que o corpo tenha sido transportado e deixado naquele ponto após o crime.
Mas nenhuma versão — nem mesmo as confissões — conseguiu provar com consistência o cenário real da morte.
4. Por que a investigação foi conduzida com tantos erros?
Tortura nos interrogatórios, condução parcial da investigação, ausência de provas técnicas e interferência política foram marcas registradas do processo.
Até hoje, nenhum agente público foi responsabilizado pelas irregularidades. O Estado brasileiro foi condenado pela ONU por violações de direitos humanos, mas a justiça nacional pouco avançou nesse aspecto.
5. O ritual de magia negra realmente aconteceu?
A tese que dominou o imaginário público por anos — de que Evandro foi morto em um ritual de magia para "atrair poder e prosperidade" — nunca foi comprovada.
Hoje, é vista como uma construção fantasiosa alimentada por pânico moral, preconceito religioso e pressão midiática. A narrativa do "sacrifício humano" provavelmente serviu mais à necessidade de dar uma resposta rápida do que à busca pela verdade.
Um caso sem fim
O Caso Evandro é, acima de tudo, uma história de violência, injustiça e silêncio institucional.
Evandro Ramos Caetano tinha apenas 6 anos. Sua morte brutal não só chocou o Brasil, como deixou marcas profundas em sua família, na cidade de Guaratuba e em todo o país. Mais de três décadas se passaram, e o Estado ainda não deu uma resposta clara: quem matou Evandro? O que aconteceu de fato naquela semana de abril?
O que resta é a dor, a dúvida e o silêncio. Um silêncio que, até hoje, ecoa como um grito de justiça não atendido.
Linha do Tempo - Caso Evandro
Data | Evento |
---|---|
06/04/1992 | Evandro Ramos Caetano desaparece em Guaratuba (PR). |
11/04/1992 | Corpo de uma criança é encontrado com sinais de mutilação. |
Julho/1992 | Prisões de suspeitos, incluindo membros da família Abagge. |
1998 | Beatriz Abagge é condenada, mas recorre em liberdade. |
2011 | STJ anula a condenação e determina novo julgamento. |
2016 | Beatriz é absolvida por falta de provas. |
2020 | Lançamento do podcast "Projeto Humanos – O Caso Evandro". |
2021 | Lançamento do documentário "O Caso Evandro" no Globoplay. |
Links para Pesquisa sobre o Caso Evandro
- Documentário "O Caso Evandro" – Globoplay
- Podcast "Projeto Humanos – O Caso Evandro"
- Entrevista com Ivan Mizanzuk – YouTube
- G1: O Caso Evandro explicado em 15 pontos
- ConJur: Polícia torturou para obter confissão no Caso Evandro
- Processos Judiciais – Beatriz Abagge (JusBrasil)
Postar um comentário